Ele me perguntava se me lembrava dele, ele tinha um rosto
comum, gostaria de não lembrar, mas ele era comum e eu sabia quem ele foi. Aquele
“tia” já havia saído de lábios inocentes, do menino magrelo que corria no campo
de futebol com grades enferrujadas do bairro, e driblava, e gingava, e sorria.
Tratou-me de Senhora, porque ali é assim que se fala de
Senhor a Senhora, e não é por respeito, é só mais uma face da opressão.
Você já se sentiu
oprimido?
Você já viu a violência?
A faca que sangra, a bala que estilhaça, ou, a boca que se
manda calar?
A gente só imagina e já fica horrorizado com a notícia no
jornal nacional, e ele só tinha doze anos...
Ele estava ali, apesar de todo discurso socioeducativo, ele
estava ali, apesar de todas as cestas e cotas, o menino estava ali, apesar de
todas as orações da vó, estava ali e me perguntava se me lembrava dele, eu
lembrava, e vi que era mais um entre mais tantos.
E neste verão o calor está insuportável e muitos vão comprar
um ar condicionado, e estão parcelando a viagem pra Europa afinal esta mais fácil
viajar pra fora do país, e as pessoas não param de opinar sobre a copa, ele
estava ali e eu me lembrava dele, do menino, daquele dos dribles e do sorriso
banguelo.
A gente cansa, mas não é de correr, a gente cansa quando
para, respira e vê.
Eu só queria falar do menino, de seus olhos de pedinte,
suplicando que eu me lembre dele, mas como o menino que dribla. Pena a vida não
ser uma bola, querido. Não tem volta, nem reviravolta. E Vamos tentando não
perder a fé, há tantos credos e orações.
Ele vai ficar ali por mais um tempo, não muito, e na saída
vamos ver o que resta do menino.
E no final quem
sobrevive? Quem se adapta melhor a esta vida? E quem é que pede arrego?
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