quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Ele me perguntava se me lembrava dele, ele tinha um rosto comum, gostaria de não lembrar, mas ele era comum e eu sabia quem ele foi. Aquele “tia” já havia saído de lábios inocentes, do menino magrelo que corria no campo de futebol com grades enferrujadas do bairro, e driblava, e gingava, e sorria.
Tratou-me de Senhora, porque ali é assim que se fala de Senhor a Senhora, e não é por respeito, é só mais uma face da opressão.
Você já se sentiu oprimido?
Você já viu a violência?
A faca que sangra, a bala que estilhaça, ou, a boca que se manda calar?
A gente só imagina e já fica horrorizado com a notícia no jornal nacional, e ele só tinha doze anos...
Ele estava ali, apesar de todo discurso socioeducativo, ele estava ali, apesar de todas as cestas e cotas, o menino estava ali, apesar de todas as orações da vó, estava ali e me perguntava se me lembrava dele, eu lembrava, e vi que era mais um entre mais tantos.
E neste verão o calor está insuportável e muitos vão comprar um ar condicionado, e estão parcelando a viagem pra Europa afinal esta mais fácil viajar pra fora do país, e as pessoas não param de opinar sobre a copa, ele estava ali e eu me lembrava dele, do menino, daquele dos dribles e do sorriso banguelo.
A gente cansa, mas não é de correr, a gente cansa quando para, respira e vê.
Eu só queria falar do menino, de seus olhos de pedinte, suplicando que eu me lembre dele, mas como o menino que dribla. Pena a vida não ser uma bola, querido. Não tem volta, nem reviravolta. E Vamos tentando não perder a fé, há tantos credos e orações.
Ele vai ficar ali por mais um tempo, não muito, e na saída vamos ver o que resta do menino.

 E no final quem sobrevive? Quem se adapta melhor a esta vida? E quem  é que pede arrego?

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

de nada

falas
fatos
fotos    

                                      apagadas, cortadas, quebradas.
vasos  
casos
cacos
                                     rasgados, queimados, calados.

pedaços despetalados passado.

                                   amarrada sacola amargada.
levada
cena de nada


           

terça-feira, 12 de novembro de 2013

às pessoas que dão certo

Dá orgulho das pessoas que deram certo! 
Mas, dar certo, o que seria?
Deve ser isto de ganhar na loteria,
De casar e ter filhinhos,
Ir à igreja aos domingos.
Ter um diploma penduradinho,
Um trabalho com dignidade mínima
E registro na carteira!

Ou dar certo não seria nada disto,
Seria dançar forró na terceira idade,
Divorciar-se aos 40 daquele traste,
Pular de pára-quedas em plena crise dos 30,
Suicidar-se aos 18,
Matar aula aos 12.

Como saber se alguém deu certo?
Que conceito mais incerto.
Que bobeira de pensar!
Vou dar certo com amigos em qualquer mesa de bar,
A felicidade é uma forma de olhar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A minha terra é quente

A minha terra é quente
 Quase sempre
O frio evapora antes de cair a lua
Quase se cura
Suicídios não são pra dias de calor
Quase sua
Mas há dias, quase sempre, em que não me mataria.
Quase pó
Morrer não tem serventia de adubo


Não si mataria, a não ser aquele único dia, em que não for esta de sol.